sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O cão, a Fábula e o Roubo do Homem de Deus


    Lembro-me de, na infância, ter possuido vários brinquedos da época: a barbie (que cortei o cabelo), uma lancha com controle remoto pra piscina (que eu afundei no primeiro dia), o burrico charreteiro (que eu desmontei pra ver o que tinha dentro), a nana nenê (que berrava e eu precisava conhecer a parte eletrônica, por isso cortei o pano da barriga dela), um robô chamado Arthur (que dei banho e pifou), enfim, tive toda sorte de brinquedos que se possa imaginar e destruí todos. Mesmo tendo acesso a isso tudo, o que mais me encantava era a coleção de livros que meu pai me havia dado quando eu era criança. Tocava música estridente e eu podia ler todas as histórias dos Andersen ou La Fontaine, observando ilustrações lindíssimas. Amava aqueles livros, muitas vezes andava com eles pela casa, abria todos, aquelas músicas  tocando "sincronizadamente", uma alegria só.
    O único infeliz na história era meu cachorro, o Floks. Devia doer até os tímpanos aquele som tenebroso e criança é sempre Joselito, nunca tem noção de nada, acha engraçado cachorro resmungar.
Deixei ele um pouco de lado por causa dos livros. Certo dia minha mãe levou as três filhas na missa (eu sempre odiava, vomitava verde, revirava a cabeça, mas nunca adiantou), quando voltei, um filme de terror havia ocorrido diante dos meus olhos..
    Meus livros foram estripados, distribuídos pela sala toda, de forma cruel e torpe. No canto da sala dormitava, no sono dos justos, o assassino. Pousava inocentemente em cima da última vítma. Ajoelhei pra recolher as sobras e chorei, disse que odiava o Floks, mas ele acordou, mais alegre do que de costume e me lambia cada lágrima. Meu algoz me amava.
    Certo dia, quando já estava conformada por meu cachorro ter devorado (literalmente) meus livros, estava pedalando pelo quintal quando vejo um homem de terno cinza, moreno, livro preto debaixo do braço, acompanhado de uma criança, abrir o portão de casa e levar meu cachorro embora. Sumiram na poeira, não deu tempo de ninguém impedir.Chorei mais do que havia chorado por cada um daqueles livros, soava-me como castigo por ter praguejado o impertinente Froks.
    Os dias se passavam e eu seguia sem aceitar o que havia ocorrido. Certo dia ele voltou, estava fedorento, haviam passado um perfume  horrível nele. A lembrança de como ele não conseguia abanar o rabo de tanta felicidade me é forte até hoje, porque o corpo todo balançava. Foi um dos dias mais felizes da minha parca existência. Durou pouco, logo, o mesmo homem de terno barato o levou de novo.
Nunca mais o vi, mas guardo um ressentimento de qualquer evangélico que se assemelhe àquele homem. E só o perdoaria se soubesse que o Floks foi feliz com eles, porque roubo não sou eu quem perdoarei.

P.S.: O perfeito aí da foto é o Piuí, meu último grande companheiro. Costumava dizer que era minha alma gêmea canina.

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